quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Crônica: Casablanca contra os alemães

(Esse post é diferente dos demais desse blog. A ideia surgiu em uma conversa despretensiosa no Twitter com o @james_pmc, e acabou virando um pequeno texto que fala de futebol e cinema. Espero que gostem.)

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Essa final do Mundial Interclubes entre Raja Casablanca x Bayern de Munique me fez lembrar a última vez que Casablanca enfrentou os alemães em um mata-mata. O ano era 1942, e embora o confronto fosse no Marrocos, a invasão dos alemães foi tamanha que era como se jogassem em casa.

Em Casablanca, o trio Rick, Ilsa e Laszlo era visto com apreensão, já que, mesmo com a fama de artilheiro de Rick, os três não tinham nenhum entrosamento, por nunca terem jogado juntos. Embora Ilsa conhecesse bem os outros dois, não se sabia se eles aceitariam estar no mesmo time, devido a diferenças em campeonatos anteriores.

O jogo começou tenso, e a escalação do juiz Cap. Renault para a arbitragem da peleja deixou ainda mais claro que poderia haver favorecimento para o time alemão. E foi o que aconteceu inicialmente: passado o nervosismo dos primeiros minutos, Renault advertiu Ilsa e Laszlo com cartão amarelo, mesmo eles não tendo se envolvido no lance. O apoio da torcida, cantando o hino em uma bela jogada de Laszlo, foi importante, mas deixou os alemães ansiosos por uma oportunidade de vingança.

Conforme esperado, a partida continuou bastante amarrada. Houve protesto da torcida local com uma entrada criminosa do time alemão em Ugarte, mas Renault mandou o jogo seguir. Aos poucos, no entanto, Rick e Ilsa foram recuperando o antigo entrosamento, e a disputa se manteve equilibrada.

Neste ponto aconteceu o lance mais polêmico da partida: os alemães alegaram que Laszlo não tinha condições de jogo por não ter cumprido suspensão em uma partida anterior, ainda pela semifinal entre alemães e tchecos. Supreendentemente, foi apresentado um efeito suspensivo, que todos imaginavam que favorecesse apenas Rick e Ilsa, e Laszlo pôde continuar em campo, mesmo sob protestos do capitão alemão Maj. Strasser, que apelou sem sucesso ao STJD.

Esse lance acordou o time de Casablanca. Com a aproximação do final do jogo e ainda com um empate que não lhe favorecia, Rick tomou as rédeas da partida. Inicialmente em uma troca ousada de posições com Signor Ferrari, até então sumido no jogo, que lhe permitiu ir à frente com Ilsa e Laszlo. Em seguida, em um corta-luz que muitos consideraram faltoso, mas foi surpreendentemente julgado legal por Renault, deixou o zagueiro alemão morto no lance, o que possibilitou a subida de Ilsa e Laszlo e a marcação do gol da vitória, em lance que, segundo Rick, o lembrou de quando ele e Ilsa atuaram juntos em Paris.

A torcida foi ao delírio! Rick foi eleito o melhor em campo, e ao ser questionado sobre o lance polêmico e um eventual favorecimento por parte de Renault, respondeu enigmaticamente “é apenas o início de uma bonita amizade”.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

O Sétimo Selo (Det Sjunde Inseglet, 1957)


“Quando o Cordeiro abriu o sétimo selo, houve silêncio no céu cerca de meia hora. Então, vi os sete anjos que se acham em pé diante de Deus, e lhes foram dadas sete trombetas. Veio outro anjo e ficou de pé junto ao altar, com um incensário de ouro, e foi-lhe dado muito incenso para oferecê-lo com as orações de todos os santos sobre o altar de ouro que se acha diante do trono; e da mão do anjo subiu à presença de Deus a fumaça do incenso, com as orações dos santos. E o anjo tomou o incensário, encheu-o do fogo do altar e o atirou à terra. E houve trovões, vozes, relâmpagos e terremoto. Então, os sete anjos que tinham as sete trombetas prepararam-se para tocar.” Apocalipse 8.1-6

A Morte. De todos os medos e dúvidas humanos, o mais fundamental, e o mais impossível de ser resolvido. Se não conseguimos entendê-la, pelo menos essa dúvida alimenta criadores e nos dá filmes como O Sétimo Selo. Extremamente alegórico, o filme conta a história de um cavaleiro medieval que, ao retornar para casa depois de muitos anos combatendo nas Cruzadas, encontra sua terra devastada pela peste, e se questiona sobre sua fé e sobre o sentido da vida e da morte.


Mas, claro, a parte mais conhecida e mais emblemática do filme é o jogo de xadrez com a Morte. Ao retornar com seu escudeiro, o cavaleiro Antonius Block é abordado pelo Ceifador, que comunica que veio buscá-lo. Buscando ao mesmo tempo adiar a morte e compreendê-la, ele a desafia para um jogo de xadrez, valendo sua vida. As cenas entre Block e a Morte são algumas das melhores do filme, onde ele, um bom jogador de xadrez, tenta enganá-la no jogo e ao mesmo tempo pergunta o porquê da vida, da morte, do sofrimento, da fé. Ao mesmo tempo, a Morte, com sua "serenidade eterna", sabe que vai ganhar e se evade de responder qualquer coisa, às vezes inclusive dando a impressão de que também não sabe as respostas, e só cumpre sua missão, assim como Block.

O filme também questiona bastante a fé, mostrando as diferentes reações das pessoas à perspectiva da morte. Block, que vê os acontecimentos à sua volta, duvida da existência de Deus e portanto não vê sentido nos anos de guerra em seu nome ("Temos que imaginar como é o medo e chamar essa imagem de Deus"); seu escudeiro Jons, que olha tudo de maneira cínica ("A fé é como estar apaixonado por alguém que vive no escuro e não vem quando se chama"); o povo das cidades, que varia de querer aproveitar a vida ao máximo a se flagelar em busca de redenção para seus pecados, visando fugir da praga, que acreditam ser um castigo divino.


Em resumo, os temas de Bergman nesse filme são o questionamento da fé e a inevitabilidade da morte. Não sou um grande fã do diretor (já falei aqui sobre Persona e além dele, já vi A Fonte da Donzela. Por falta de termo melhor, chatos pra cacete), mas nesse filme ele entrega uma fábula consistente, com grandes atuações, uma fotografia P&B muito bonita e, principalmente, uma história interessante e provocativa. Imagino a "polêmica" que causaria se fosse lançado hoje.

Por isso tudo, vale a pena vencer o preconceito (seja ele contra Bergman, filmes P&B ou filmes de "arte") e ver (e rever) O Sétimo Selo. Como eu costumo dizer por aqui, cinema é entretenimento, mas também é ótimo para dar o que pensar. Esse é um ótimo exemplo.

Nota: 8,0

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças (Eternal Sunshine of the Spotless Mind, 2004)


Vale a pena apagar parte de sua vida para se livrar de uma experiência traumática? Até que ponto funciona tentarmos de novo uma situação que nos deixou na pior? As conexões que fazemos em nossas vidas são mais fortes que nossa vontade? O que pode ser considerado traumático e o que é apenas nossa vontade de não querer sofrer?

Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças aborda todas essas perguntas (e muitas mais) em um roteiro absolutamente brilhante de Michel Gondry e Charlie Kaufman (que também escreveu Adaptação e de quem já falei em Quero Ser John Malkovich). No filme, Joel (Jim Carrey), após muitas brigas com a namorada Clementine (Kate Winslet), descobre que ela se submeteu a um tratamento que visa apagá-lo de sua memória. Ou seja, ela preferiu passar o resto da vida sem saber mais que ele existia ou tudo o que passaram juntos. Com raiva, ele decide fazer o mesmo.


Para mim, o roteiro é o ponto alto do filme. A maneira de contar a história, que acaba se passando em boa parte na mente de Joel durante o apagamento de suas memórias, é sensacional. Durante o processo, ele se arrepende do que pediu, e seu inconsciente vai percorrendo as memórias, das mais recentes às mais antigas, tentando salvar alguma parte delas, junto com uma "Clementine" que ao mesmo tempo que o ajuda, vai relembrando as coisas boas que tiveram. As cenas de Joel e Clementine interagindo com suas memórias enquanto elas vão se desfazendo, tentando entender e "mudar" o que aconteceu ao mesmo tempo em que tudo vai sumindo são o ponto alto do filme, não apenas muito bem escritas como com soluções visuais inteligentes (e muito pouco CGI).

Mas não apenas as memórias de Joel são interessantes, mas muitos outros conceitos do filme: a própria empresa Lacuna Inc., que faz o procedimento, gera situações interessantes: a secretária que teve um caso com o chefe e acabou tendo a memória apagada quando a mulher dele descobriu, o técnico que aproveita a entrevista e os objetos de Joel para conquistar Clementine, as pessoas que "viciam" no procedimento...



Tecnicamente, o filme também é bastante bem-feito. Desde a fotografia e efeitos visuais, como comentei, até a trilha sonora (que interage bastante com o filme), mas principalmente as atuações. Não é de se estranhar Kate Winslet (na minha opinião uma das melhores atrizes jovens) tendo uma excelente atuação, mas é Jim Carrey que se destaca aqui. Mantendo sua versatilidade sem cair no humor careteiro que apresenta em tantos outros filmes, ele incorpora um Joel bastante sincero, e se destaca bastante nas cenas em sua memória, onde as leis do mundo real não se aplicam, e portanto, algum nível de flexibilidade e improvisação são necessários. Gosto bastante do trabalho "sério" de Carrey, neste filme, e em outros como Show de Truman, por exemplo (ainda não vi O Mundo de Andy). O restante do elenco também está muito bem, contando com nomes famosos como Mark Ruffalo, Kristen Dunst e Elijah Wood.



Mas, para mim, é na parte "filosófica" que o filme realmente se sobressai. Muitos filmes partem de uma premissa interessante ou de uma ideia revolucionária mas entregam histórias decepcionantes. Claramente não é o caso aqui. Muitos dos desdobramentos hipotéticos de uma possibilidade de "apagar a memória" aparecem no filme e são desenvolvidos com bastante humor mas também bastante profundidade, especialmente quais seriam as consequências de apagarmos parte de nossas vidas. Um detalhe que acho interessante, por exemplo, é Joel, em um dado momento do filme, não conhecer Dom Pixote, já que sua música característica "Oh querida Clementina" (My Darling Clementine), e portanto o desenho, foram apagados de sua memória no procedimento. Detalhes como esse são geniais.

Sempre digo aqui que um bom roteiro é um grande ponto de partida para um filme bom. Neste caso, é mais que isso. Um excelente ideia, muito bem desenvolvida, e com execução competente, é um caminho aberto para um filme memorável, daquele que diverte e nos faz pensar: "O que eu apagaria da minha memória?"

Nota: 9,1 (12o colocado na minha lista de melhores filmes)

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Star Wars Episódio III: A Vingança dos Sith (Star Wars Episode III: Revenge of the Sith, 2005)


Depois de ter escrito os textos sobre Star Wars e O Império Contra Ataca, o normal aqui seria eu estar escrevendo agora sobre O Retorno de Jedi. No entanto, após uma conversa no Facebook, percebi que, por ter visto A Vingança dos Sith apenas uma vez, no cinema, com todo o frenesi de "finalmente veremos o surgimento de Darth Vader", não tinha uma visão clara dele como filme, apenas como preâmbulo da trilogia clássica que tanto gosto. Sendo assim, resolvi assistir ao filme novamente, 8 anos depois, e, claro, escrever sobre ele aqui no blog.



Mas para falar sobre ele, é necessário situar um pouco a história. A tal "nova trilogia", iniciada por A Ameaça Fantasma e O Ataque dos Clones (filmes sobre os quais eu provavelmente não vou escrever posts aqui), conta a história de Anakin Skywalker, aquele que viria a se tornar o famoso vilão Darth Vader. No primeiro, ele é uma criança, filho de uma escrava, encontrado quase por acaso por 2 cavaleiros Jedi em um planeta remoto. Eles percebem seu potencial e resolvem levá-lo para ser treinado. No segundo, ele já está adulto, e observa de maneira próxima uma crise na república, ao mesmo tempo que tenta lutar com seus próprios demônios. Dados os mais de 15 anos entre o final da trilogia clássica e o lançamento da nova, a expectativa era muito grande e o sucesso de público foi enorme, mas não há como negar que os filmes são ruins, com uma história confusa e inverossímil. No entanto, no ano de 2005 seria lançado aquele filme que finalmente fecharia o ciclo, mostrando finalmente o início de uma das histórias mais cultuadas do cinema moderno.

Eu fui ao cinema e adorei. Claro que estava longe de ser perfeito, e mesmo de ser tão bom quanto os clássicos, mas o lento declínio de Anakin (Hayden Christensen, um péssimo ator) para o lado negro, sua transformação em Sith, a tão aguardada luta entre ele e Obi-Wan Kenobi (Ewan McGregor), o nascimento de Luke e Leia, a morte de Padmé Amidala (Natalie Portman) eram acontecimentos tão importantes e aguardados dentro da mitologia da série que o fato de finalmente poder vê-los mais do que compensava os "pequenos" deslizes cometidos por George Lucas (notoriamente um diretor fraco) em seus 3 filmes. Uma nota 8,0 e um bom lugar na minha lista de filmes e mesmo na cronologia da saga foram as conclusões a que cheguei na época.



Até semana passada.

Na tal conversa de Facebook a que me referi, eu defendia que o filme não era grande coisa, mas que completava bem a história, fechando de maneira satisfatória os pontos em aberto, enquanto o Fábio Vanzo dizia que não, como se fosse Yoda me dizendo que "The dark side clouds everything" (ele não disse bem isso, claro, mas foi essa a mensagem). Percebi que só poderia ter certeza vendo novamente o filme, mas dessa vez em uma posição mais isenta, analisando-o como história e não como peça arqueológica de um universo de que gosto tanto.

E, amigos, lhes digo: o filme é horrível.



A história é simplista, os personagens rasos e contraditórios ao extremo, os diálogos mal escritos e constrangedores, e até por isso, as atuações, mesmo dos atores mais consagrados, são risíveis. A edição é primária, não conseguindo construir um ritmo decente e quebrando demais a história (sério, parece novela mexicana: uma cena canastrona, um cenário, uma cena canastrona...). 

Os acontecimentos que levam Anakin de vez ao lado negro não fazem nenhum sentido, e suas reações ao que acontece à sua volta e às tentativas de manipulação que sofre dos demais personagens são incompreensíveis. A motivação de sua mudança (as visões que tem de Padmé morrendo e a sua vontade de impedir esse destino) não é nem de longe forte o suficiente para que ele faça as coisas que faz no segundo ato, e sua reação após descobrir (uns 5 minutos depois) que não conseguiu impedir sua morte é a de um homem fraco e não de um líder, destruindo totalmente a imagem de vilão mega-blaster-motherfucker da trilogia original. Contribui também para isso um ator que não consegue passar nenhuma credibilidade, não tem expressões faciais e tem sempre o mesmo semblante (embora tenha que ser dito que nem mesmo Marlon Blando teria conseguido coisa muito melhor com o texto que lhe foi dado). A direção e o roteiro de Lucas são praticamente infantis, sem nenhuma profundidade.

O que me levou à óbvia pergunta seguinte: então por que eu saí do cinema, em uma noite de Maio de 2005, achando que tinha visto um bom filme? até que ponto a minha ligação emocional com a história e a vontade que eu tinha de que o filme fosse bom me fizeram realmente acreditar nisso? Não sei se saberia explicar, mas o fato é que, sob algumas circunstâncias, parece que nosso senso crítico é desligado, como se nosso cérebro não quisesse lidar com uma verdade que desejamos ardentemente que não seja.



E isso não acontece o tempo todo? A tal dissonância cognitiva, que leva as pessoas a supervalorizarem o que concorda com suas opiniões ou vontades, e desprezarem tudo que vai contra elas? Em religião, futebol, política, cinema, ou até mesmo em nosso convívio diário, vemos a verdade ou apenas o que queremos ver? Ou essa minha filosofia toda é só de novo um jeito de tentar algo de positivo de uma experiência decepcionante, da qual eu tinha ma imagem muito melhor? :-)

Em resumo, não sei se prefiro agora, ou se era melhor eu ter ficado com a imagem positiva que tinha até então. Ainda acho que algumas poucas coisas se salvam: a trilha sonora de John Williams, o "nascimento" de um ícone pop como Darth Vader, e até mesmo a fotografia e o visual de algumas cenas, como a luta final entre Anakin e Obi-Wan. Mas é pouco, muito pouco. Nem falei muito dos demais aspectos do filme, da atuação de Samuel L. Jackson (um ator de que gosto muito), de toda a computação gráfica (que é até bem feita, mas acaba parecendo mais uma máscara para disfarçar a falta de conteúdo), e outros, para não aumentar ainda mais minha decepção com o filme.

Só espero que ver o Episódio VII (previsto para 2015), não me faça olhar para esse e pensar "é, até que não era tão ruim". Nesse caso, fãs ao redor do mundo vão acabar imitando uma das piores mortes da história do cinema, a de Padmé, simplesmente "perdendo a vontade de viver"...

Nota: 4,0


domingo, 14 de julho de 2013

Antes da Meia-Noite (Before Midnight, 2013)


Irônico que a primeira trilogia que eu completo nesse blog não seja O Poderoso Chefão, Star Wars ou De Volta para o Futuro. Mas fui hoje ver esse filme no cinema e precisava falar dele aqui. Meu texto sobre os dois filmes anteriores, Antes do Amanhecer e Antes do Pôr do Sol, está neste link. Para quem ainda não sabe, os três filmes, feitos em um intervalo de 18 anos, contam a história de Jesse (Ethan Hawke) e Celine (Julie Delpy), que no primeiro filme se conhecem por acaso em um trem, no segundo se reencontram e agora começam o filme finalmente juntos.

No entanto, não é necessariamente uma simples continuação da história de amor. Se o primeiro filme foi sobre idealismo e destino, o segundo sobre colocar os pés no chão, esse terceiro fala principalmente sobre o que acontece com o amor depois que o tempo passa. Aliás, apesar de ser o menos "romântico", ele deixa muito claro que estamos vendo uma história de quase 20 anos sobre o amor.


E pode não ser uma história bonita o tempo todo, mas certamente é verdadeira. Jesse e Celine, 9 anos depois, estão juntos, com filhas gêmeas de 7 anos, e passando férias na Grécia com a família e o filho mais velho dele. Claro que o estilo "os dois conversando o tempo todo" está lá, apenas um pouco diferente, e principalmente mais duro, já que o tom "o que nos reserva o futuro?" dos outros filmes agora se tornou "o que fizemos com nosso amor?".

Aí é que está a força do filme. A química entre os dois é fortíssima, e a conversa saudosa aos poucos se transforma em cansaço, dúvidas, ironia, ofensas. Os problemas da vida enfim chegaram para eles, e em dados momentos mal reconhecemos aqueles "amigos" que há tanto não víamos, e cuja história ultra-romântica já ficou para trás. Vemos, com pesar, suas discussões, e entendemos cada um deles, apesar de perceber onde cada um torna tudo mais difícil. Enxergamos que ainda há sentimentos, e isso nos dá ainda mais vontade de virar o rosto em alguns momentos para tentar não vê-los estragando esses sentimentos. Acreditamos que aquilo pode estar acontecendo, afinal aquilo acontece na vida também. Tememos pelo destino dos dois, afinal na vida real não há sempre o final feliz.


Mas, principalmente, nos vemos naquele casal. É como uma oportunidade rara de ver "de fora" nossas próprias incertezas, brigas, idiotices, bobagens, e de se indignar com um "por que ele foi falar isso?", mesmo sabendo que cada um de nós já "falou isso" na hora errada. É um exercício de auto-conhecimento até, pois nos identificamos com os personagens e com as situações e vemos o quanto estrago uma palavra mal dita, ou uma vontade sádica de agredir o outro em um momento de raiva pode provocar.

Quanto ao filme em si, não preciso dizer que é fabuloso, para mim o melhor dos três. Além de já conhecerem demais seus personagens, Hawke e Delpy também são roteiristas, o que traz ainda mais credibilidade à história. Os diálogos são inspiradíssimos, e como não poderia deixar de ser, há referências aos filmes anteriores, nas situações, na trilha sonora, na fotografia (e, incrivelmente, há referências sutis a filmes como O Exterminador do Futuro e De Volta para o Futuro). Mas sobretudo, há uma evolução, você vê aqueles personagens e não apenas se importa com eles, mas também acredita que a vida deles evoluiu desse jeito. Claro que não vou dizer o que acontece no fim, mas a trilogia se fecha (será?) trazendo muito mais profundidade e sentido aos filmes anteriores, e se configurando como um história de amor, não o amor idealizado, mas o real, desde seu nascimento, consolidação, até o que acontece depois do "felizes para sempre". E nos fazendo pensar em nossas próprias histórias.

Pensando bem, nada mau ter sido essa a primeira trilogia a ter sido fechada aqui no blog. Pois nada como uma grande história de amor. Talvez a melhor que o cinema tenha nos mostrado, por ser a história do nosso dia-a-dia, do amor que vivemos de verdade. Como ser mais que isso?

Nota: 8,5 (30o. colocado na minha lista de filmes favoritos)


sexta-feira, 14 de junho de 2013

Skyfall (2012)


50 anos do primeiro filme do 007 (007 Contra o Satânico Dr. No, 1962), 23o. filme da franquia e terceiro em que o agente James Bond é interpretado por Daniel Craig. A história acho que todo mundo conhece, e deve ser meio que a mesma sinopse de uns outros 10 filmes do 007: após falhar em uma missão, quando o MI-6 está sob ataques que parecem direcionados pessoalmente à sua chefe M, James Bond busca investigar e resolver os ataques, mesmo sendo considerado "velho" por boa parte daqueles que o cercam.

Na minha opinião, um filme desses tem que ser avaliado de 2 maneiras: como filme, e como filme do 007. É uma "franquia" tão antiga, com características tão peculiares, que parte importante de saber se gostamos ou não do filme vem do "encaixe" que ele tem com a mitologia da série. Aviso também que vi o filme no avião, naquelas telinhas pequenas, parte dublado e parte em inglês sem legendas, e com um passageiro ao lado que ocupava pelo menos 20% do meu assento. Ou seja, é uma resenha mal-humorada :-)

O post é meu, eu ponho foto do Sean Connery aqui, oras.
Bom, seguindo com a lógica, vamos analisar o filme em si primeiro. Uma das novidades foi a colocação de um diretor famoso para dirigir o filme: Sam Mendes, de Beleza Americana. Isso tem vantagens e desvantagens, já que ele traz a perspectiva de um filme melhor, mas quer trazer consigo sua "assinatura cinematográfica". Não, ele não coloca o 007 em uma banheira de pétalas de rosa, mas um dos temas mais presentes em Beleza Americana, que é o conflito entre o "novo" e o "velho" - que já é comum nos filmes de Bond - está presente o tempo todo.

É, eu quis colocar essa também.
Mas vamos lá: o filme para mim é muito confuso, especialmente na primeira metade. Coisas acontecem sem que se entenda exatamente como, ele segue pistas que você não entende direito como conseguiu, e personagens passam sem que você saiba quais suas motivações ou mesmo porque estavam lá. Claro que as imagens, a fotografia, e especialmente a trilha sonora do filme são fantásticas (depois de muitos anos, finalmente um filme de James Bond com uma música de James Bond), mas para mim foi muita pirotecnia para pouco conteúdo. Mesmo pensando como um filme moderno de ação com um personagem qualquer, acho que falta não história, mas sim credibilidade nos acontecimentos e nas reações dos personagens. Daniel Craig entrega sua atuação padrão, e Javier Bardem esbarra um pouco no histrionismo, mas no final entrega bem como o vilão Silva, já que seu personagem é também um dos mais bem explorados e caracterizados do filme.


Já olhando como filme de James Bond, para mim a discussão é mais profunda: existe espaço hoje em dia para um filme "clássico" do 007? Vilões megalomaníacos que contam seus planos para um 007 amarrado à beira da morte já foram ridicularizados até onde podiam por décadas de filmes, especialmente na série Austin Powers. Roger Moore fugindo no estilo Pitfall ou Sean Connery usando uma cadeira-foguete seriam alvo de riso no cinema de hoje. Mas, principalmente, a figura do "agente secreto", o cara que sozinho estraga o plano dos vilões, essa é que parece cada vez mais irreal (inclusive o próprio filme toca bastante no assunto).



Neste filme, acho que Sam Mendes atingiu um meio-termo insatisfatório. Traz de volta alguns pontos clássicos dos filmes antigos, como Q, Moneypenny, e até o famoso Aston Martin. Mas tudo soa meio forçado. A personagem de Berenice Marlohe aparece e sai da história sem que se entenda como Bond chegou a ela ou quais eram suas motivações, apenas para ser a garota que ele pega durante o filme. Aliás, esse outro traço tradicional do 007, de sempre ter as mulheres aos seus pés, e trocar uma por outra sem constrangimento, já tinha sofrido um duro golpe na época da explosão da AIDS, e com os avanços na luta por igualdade feminina.



Além disso, o filme parece trocar as situações bizarras e esdrúxulas (mas encaixadas na história) dos filmes antigos por reviravoltas sem nenhum sentido, e soluções fáceis de roteiro disfarçadas de exóticas (o que é a cena dos dragões de Komodo?). É tanta coisa que acontece por acaso ou sem explicação que no meio do filme você já deixou de tentar entender e só vai seguindo...

(parágrafo com "spoilers" sobre o filme. Se você não viu, pule este parágrafo)

E o final? Bond resolve acabar com a briga e levar M para seu castelo, contrariando todas as ordens, inclusive dela mesma. Mallory descobre, acha que ele está criando uma pista falsa e diz que é uma ótima ideia, sem saber o que realmente se passa. Bond monta um arsenal de guerra para capturar ou matar Silva e salvar M. Após a invasão, depois de vários tiros e explosões, Bond mata Silva mas M morre em decorrência de ferimentos. Ou seja, Bond conseguiu garantir que o plano de Silva funcionasse! E ainda é bem recebido e ganha seu lugar de volta no MI-6, sob a liderança do mesmo Mallory que havia dito no meio do filme que ele era ultrapassado e um risco a quem estava em volta! Dá pra entender?

(fim do parágrafo de spoilers. Todos podem voltar a ler a partir daqui)

Minha resposta é: não, James Bond não pertence mais a essa época. Já abandonaram a classe do personagem (Daniel Craig, me desculpem, não está à altura), o humor fino e nonsense, o exagero "kitsch", e tudo que fazia do herói algo diferente. Os filmes continuam, claro, e vão continuar mais, já que vêm batendo recordes de bilheteria (Cassino Royale me pareceu até uma boa ideia de mostrar a origem de 007, mas não vi Quantum of Solace de tanta crítica ruim que li, e esse Skyfall, que vi por insistência de um amigo, me decepcionou profundamente), mas é uma série de ação e espionagem qualquer que faz sucesso. Não é mais 007.

Nota: 4,0

sábado, 27 de abril de 2013

Um Morto Muito Louco (Weekend at Bernie's, 1989)


Já que o blog vinha meio morto nos últimos tempos, nada como pegá-lo pelo cabelo e pela jaqueta e tentar fazer com que os leitores pelo menos achem que ele está vivo....

Essa é a premissa (original, por que não?) de Um Morto Muito Louco. Típico filme de humor nonsense dos anos 80, figurinha carimbada da Sessão das Dez do SBT, conta a história de dois jovens que descobrem um desvio milionário na empresa em que trabalham, e vão mostrar a descoberta ao presidente da companhia, esperando serem recompensados. Ele os convida para passar o fim de semana em sua casa de praia "para discutirem melhor", mas na verdade quer matá-los, já que ele é o responsável pelo desvio. Ao chegarem na casa de praia, no entanto, eles o encontram morto pela máfia, descobrem seu plano, e resolvem fingir que ele está vivo, já que ouvem uma gravação telefônica em que Bernie (o chefe) diz para o que o matador não os execute enquanto estiverem com ele.


A partir daí, se torna uma comédia "nonsense" bem típica dos anos 80. Um dos rapazes, Larry (Andrew McCarthy, um dos atores que fez milhares de filmes na época, incluindo o cultuado O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas, e depois sumiu), mulherengo, quer aproveitar toda a "infraestrutura" do morto - casa, barco, praia - para se dar bem com as garotas locais, enquanto o outro, Richard (Jonathan Silverman), o mais certinho, só concorda com a ideia porque descobre que pode ter alguma chance com a garota de seus sonhos.

Como eu dizia, as comédias da época em geral se baseavam em mulheres e humor gaiato. Filmes como Curso de Verão, Porky´s, Loucademia de Polícia, com premissas simples de roteiro, e piadas pouco elaboradas e honestas, fizeram muito sucesso passando na TV brasileira. Era quase obrigatório um filme do tipo na Sessão da Tarde, Supercine ou Sessão das Dez (aquela de domingo à noite no SBT, que depois de passar, o filme repetia), e com isso vários desses filmes ficaram famosos aqui no Brasil (tenho uma teoria que Curtindo a Vida Adoidado passou tanto aqui que os brasileiros conhecem mais o filme que os americanos).

Um Morto Muito Louco segue um pouco esse estilo Trapalhões de humor. Eu achava que tinha até mais putaria, peitos de fora, como era comum na época, mas assisti de novo recentemente e o filme é até bem-comportado nesse sentido. No mais, continua divertido: os roteiristas exploram ao máximo a premissa inicial (bom, nem tanto, já que fizeram um Um Morto Muito Louco 2), chegando a situações absurdas (a cena da lancha é muito boa), mas se mantendo engraçado.


Uma outra coisa que vale destacar é a atuação de Terry Kiser, o Bernie, que apesar de só ter ação e falas durante uns 20 minutos, depois claramente rouba a cena no papel do morto. Além de quase "convencer" no papel, tem horas que dá pra ver que o cara está se divertindo, embora não "entregue" que está vivo em nenhum momento. Nunca o vi em nenhum outro filme, então não deve ser de fato um excelente ator, mas manda bem aqui.

Em resumo: o filme até que passa bem pela "Regra dos 15 anos", que postula que se você viu um filme antes do 15, não deveria ver de novo, e sim guardar a memória que tem dele, sob pena de se decepcionar. Até dei umas risadas, e gostei de rever, embora não ache que teria coragem de ver o 2. Me lembro de tempos mais simples, em que algumas situações idiotas e uma ideia boa eram suficientes para me entreter durante um filme.

Nota:  7,0

PS: Não tem tanto assim a ver com o filme (na verdade, é mais baseado no 2), mas eu não podia deixar de citar, mais uma vez, um funk feito com base no filme, assim como fiz em O Senhor dos Aneis. Com vocês, Um Morto Muito Louco, o funk:


sábado, 16 de março de 2013

Maratona de filmes março/2013


O post de hoje é um pouco diferente. Aliás, bem diferente. Eis que me encontro, sozinho em casa, sexta-feira à noite. Esposa na pós (hoje de noite e amanhã o dia todo), filha passando uns dias com a avó. Foi assim que me surgiu a ideia: tenho tantos filmes que ainda quero ver, e normalmente tão pouco tempo para vê-los, que tal passar esse tempo todo (adivinhem) vendo filmes?

Pois bem, é isso que vou fazer. Começando agora (sexta, 20:30), e amanhã o dia todo, pretendo assistir algo em torno de 7-8 filmes. E descrever a experiência aqui, não só falando sobre os filmes mas também sobre a maratona em si, se eu aguentar até o fim.

A escolha dos filmes? O único critério é que eu não tenha visto ainda (ou que, por tempo ou outra razão, não me lembre mais dele). No mais, pretendo variar bastante de gênero, país, época, tipo... Nada contra, por exemplo, uma maratona de filmes do James Bond, mas não é essa a minha ideia hoje (portanto, pode parar de me chamar, box de Star Wars...)

Outro critério é que o filme da noite não seja mudo, longo ou devagar demais. Acabei de parar de trabalhar, a chance de dormir na frente da TV é enorme.


Assim, também em homenagem aos 70 anos de David Cronenberg completados hoje, um filme via Netflix: eXistenZ (1999). Seguindo a linha dos demais filmes do diretor, tem características de realidade distorcida, contando a história de um jogo de realidade virtual jogado através de conexões bio-mecânicas. A criadora do jogo (Jennifer Jason Leigh, uma das atrizes mais subestimadas do cinema) é atacada por uma organização que é contra a fuga da realidade que o jogo produz. Não é um filme para todos, tem um quê de bizarro, mas a história é muito interessante, e imagino que tenha influenciado muitos filmes mais recentes, como Inception, por exemplo. Muito bom filme, com vários "plot-twists". Nota: 7,0

Continuando, acho que por hoje (sexta-feira) é só. São quase 23h e a perspectiva é de um dia longo de filmes amanhã.


Já dormi, acordei, corri e comi, então resolvi começar o dia com um filme mais leve para ir devagar: Uma Noite na Ópera (A Night at the Opera, 1935), comédia dos irmãos Marx em que eles tentam ajudar um casal de cantores a ficarem juntos e a fazer sucesso na ópera. Nunca tinha pensado em uma grande diferença entre o drama e o humor: as histórias dramáticas são clássicas, e "esqueletos" de roteiro funcionam bem desde o início do teatro na Grécia Antiga, como o amor não correspondido, as diferenças sociais impedindo casais de serem felizes e outros. Já o humor é tremendamente mutante. O que faz as pessoas rirem hoje provavelmente não as fará em 20 ou 30 anos. Não existem grandes histórias clássicas de humor. Tudo isso para dizer que, apesar de clássico, para mim esse filme envelheceu muito mal: todo baseado em "gags" físicas e nas frases espirituosas de Groucho Marx, quase 80 anos depois perdeu toda a sua novidade. E o tanto de números musicais torna a hora e meia de filme um suplício. Nota: 4,0.


Um café depois, e segue a maratona, com Cova Rasa (Shallow Grave, 1994). Primeiro filme para o cinema de Danny Boyle (Trainspotting, A Praia, Quem Quer Ser um Milionário?), já mostra tanto na direção quanto nas atuações (adoro a fase "escocesa" de Ewan McGregor, pra mim um excelente ator) o amadurecimento que continuaria 2 anos depois em Trainspotting. Conta a história de 3 amigos que moram juntos, e acabam aceitando mais um morador para dividir as despesas. Logo em seguida, o novo morador tem uma overdose no quarto, e eles descobrem uma mala de dinheiro escondida. A evolução de cada um dos personagens é notável, e aos poucos a situação vai exercendo sobre eles uma pressão que se torna insuportável. Ótimas atuações (coincidentemente, é o segundo filme de Christopher Eccleston nessa maratona, 2 boas atuações), e o roteiro com aquele jeitão inovador e abusado de filme iniciante. Nota: 7,0


Depois do almoço, hora de falar sério. Um dos filmes que todo mundo mais se espanta quando digo que não vi. Problema resolvido agora: Taxi Driver (1976). Nem preciso falar sobre a história, nem sobre a atuação de Robert de Niro (e queriam dar o Oscar pra ele por O Lado Bom da Vida????). Aliás, o grande problema foi esse: depois de ouvir falar tanto do filme, de já saber os pontos principais da história (ele leva a namorada no cinema pornô, tenta salvar a menina prostituta, mata um monte de bandidos, e tal), o filme perde um pouco do impacto. Não é culpa do filme, claro, mas minha por não tê-lo visto antes. De todo jeito, grande história, refletindo bastante o momento da história americana em que se passa, final da Guerra do Vietnã, país com moral baixa, veteranos voltando e não conseguindo se encaixar de volta. A direção de arte e fotografia são absolutamente fantásticas, essas sim me surpreenderam bastante. Scorsese é Scorsese, afinal, e esse, um de seus primeiros trabalhos, já mostra seu potencial. Nota: 7,0.


Pra quebrar um pouco o clima "pra baixo" do fim de tarde, nada como uma animação. Já tinha ouvido falar bastante de Wall-E (2008), até comecei a assistir uma vez, mas nunca tinha ido até o fim. Que filme fantástico! Quase sem falas na primeira metade, mostra que existem muitas maneiras de se passar a mensagem que se quer. Mostra também que o discurso ambientalista e contra o consumismo exagerado é importante e não precisa ser chato. E principalmente, mostra que personagens carismáticos podem fazer milagres por uma história. Difícil não se pegar torcendo pela "vida" e pelo "amor" entre dois robôs, e se emocionando no final. Pixar é foda. Podem me julgar à vontade, mas por enquanto é o melhor filme do dia (é, melhor que Taxi Driver). Nota: 8,1 (passa a ser o 58o. lugar na minha lista de filmes favoritos)


E, pra fechar a noite (embora eu ainda tivesse alguns filmes na fila), um clássico, muito mais denso e interessante do que eu imaginava: Um Bonde Chamado Desejo (A Streetcar Named Desire, 1951). Que a atuação de Marlon Brando seria poderosa eu até já imaginava, mas, por não ter visto ...E o Vento Levou não tinha ideia de que Vivien Leigh pudesse ter uma atuação tão arrebatadora. Segundo li, ela se entregou tanto ao papel, que depois desse filme (por sofrer de transtorno bipolar) passou a confundir sua vida com a de sua personagem. Uma atuação que faria corar a maioria das vencedoras de Oscar de Melhor Atriz das últimas décadas, que acabam ganhando mais por transformações físicas que pela atuação (já falei mal de O Lado Bom da Vida aqui, não vou falar de novo, mas Jennifer Lawrence passa vergonha perto de Vivien Leigh).

Além disso, a história, adaptada de uma peça de Tennessee Williams, é fantástica. Nota-se que em alguns momentos foi suavizada devido ao código de regras de Hollywood à época, mas ainda assim é difícil imaginar um filme tão ousado e chocante hoje em dia. A história da mulher metida a aristocrata que perde tudo e vai morar com a irmã submissa e o marido violento, e cujos segredos aos poucos vão se revelando, é um tratado de personalidade, e o filme vai evoluindo os personagens aos poucos, contando com roteiro e atuações maravilhosos. Um belo final para um dia inteiro de filmes. Nota: 8,5 (passa a ser o 34o. lugar na minha lista de filmes favoritos)

Ah, e me recuso a usar a incompreensível tradução do título para português Uma Rua Chamada Pecado. Não faz sentido algum.

Acho que consigo ver mais um filme...

É isso. Sinceramente, esperava ter conseguido ver pelo menos mais um, mas os próximos da fila aqui eram muito longos (estava entre Duna e Lawrence da Arábia), e ainda tive que dar uma saída no meio do último que deu uma quebrada no cronograma. Não estou exatamente como nessa foto, mas são 23h de sábado e acho que não consigo ver mais nada. De todo jeito, 6 filmes em pouco mais de 24h é uma boa marca, e em geral foi uma experiência positiva, tendo visto alguns ótimos filmes. Quem sabe não faça de novo algum dia.

E, se algum de vocês heróis leitores, conseguiu chegar até aqui, comente! São 6 filmes, duvido que não tenham visto pelo menos um, e queiram discordar de algo (ou tudo) que falei. É só usar esse espaço logo aqui embaixo....

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

O Lado Bom da Vida (Silver Linings Playbook, 2012)


(este texto se refere ao filme. Para ler sobre o livro, clique aqui)

Indicado a oito Oscars, o filme O Lado Bom da Vida é uma comédia romântica de certo modo diferente, fugindo um pouco do modelo batido de casal que luta contra tudo para ficarem juntos. Conta a história de Pat (Bradley Cooper), que, após pegar sua esposa com outro homem, quase o mata, tem diagnosticado um distúrbio bipolar, e acaba passando oito meses em um hospital psiquiátrico. Ao sair, seu principal objetivo é reconquistar sua esposa, até que conhece Tiffany (Jennifer Lawrence) uma garota estranha que também teve seus problemas psiquiátricos ao ficar viúva, e que pode (ou não) ajudá-lo a atingir seu objetivo.

E o que a fez ser uma "comédia romântica diferente"? Bom, o filme "presta mais atenção" aos personagens, especialmente Pat. Fica claro desde o início que a tal "ameaça a Pat e Tiffany ficarem juntos" não é a ex-esposa dele, que por sinal está mais presente em sua cabeça do que na sua vida. São eles que têm que evoluir e se acertar, lutando contra seus problemas para voltarem a viver em paz. Além disso, o relacionamento entre os dois nunca é o foco principal, e apesar de torcer por eles, o espectador não vê idas e vindas de um casal sendo mostradas como o que realmente importa no filme. Isso é legal.


O filme lida com as "dificuldades psiquiátricas" dos protagonistas de uma maneira leve, mas não leviana. É justamente a jornada de Pat para superar seus problemas (com o apoio de sua família, seu terapeuta, e, em última análise, de Tiffany) que diferencia o filme, especialmente quando ele percebe que ajudar Tiffany pode ser o caminho não apenas para tentar se reconciliar com sua esposa, mas também algo que deve ser feito. O filme não segue o caminho dos conflitos reais, tudo acaba se resolvendo muito facilmente, mas ainda assim você consegue sentir a evolução de Pat e Tiffany como personagens.

Os atores estão muito bem. Bradley Cooper abandona um pouco a imagem de galã vazio (construída especialmente nos filmes da série Se Beber Não Case) e entrega uma atuação honesta, enquanto Jennifer Lawrence começa a se estabelecer como atriz, embora achei que podia dar um pouco mais de profundidade no papel da "louquinha adorável". Além deles Robert de Niro, que não precisa provar mais nada, está bem como o pai, que também tem seus distúrbios, e se divide entre a vontade de ter seu filho próximo, e seu vício em apostas. Chris Tucker está irreconhecível como o amigo que Pat faz no hospital (ele era o apresentador bizarro de O Quinto Elemento, e é seu primeiro filme desde 1997 que não é da série A Hora do Rush).


Agora, o que não gostei do filme: li o livro semana passada e me decepcionei um pouco. Claro que o livro é sempre mais complexo, aprofundado e portanto, mais rico como história que o filme, em praticamente todos os casos, mas nesse caso o foco da história é diferente. Por exemplo, o livro não é uma comédia romântica, e a própria evolução dos personagens acontece de maneira muito diferente. Sem entrar em detalhes aqui (tem um post sobre o livro no meu outro blog, link no topo), o que aconteceu foi que demorou para que eu percebesse que, basicamente, estava vendo outra história, só que com os mesmos personagens e a mesma linha mestra de acontecimentos. É impossível dizer o que eu teria achado se só visse o filme, mas é possível sim admirar ambos, cada um em sua esfera.

Sugiro também que leiam o livro, mesmo que já tenham visto o filme. Não se preocupem com perder o interesse por já saberem o fim da história: os finais são muito diferentes. Até a cena de dança estilo Pequena Miss Sunshine do final, apesar de acontecer também no livro, tem um contexto e um desfecho muito diversos.

Em resumo, não é o melhor filme do mundo, não deve ganhar Oscar, mas é uma comédia romântica acima da média. Vale a pena.

Nota: 6,0


sábado, 9 de fevereiro de 2013

Apocalypse Now (1979)


"Ah, o horror, o horror!". Considerado um dos melhores filmes de guerra já realizados (para mim, o melhor), Apocalypse Now carrega no realismo ao retratar a Guerra do Vietnã, sua violência, condições sub-humanas, e a insanidade de seus quase 20 anos de duração. Conta a história do Capitão Willard (Martin Sheen), que parte em uma missão secreta para localizar e assassinar o Coronel Kurtz (Marlon Brando), que supostamente enlouqueceu e se transformou no chefe de um grupo de extermínio dentro do próprio Vietnã.

O (longo) filme se passa durante essa jornada de Willard rumo ao coração do Vietnã, em busca de Kurtz, mostrando diferentes aspectos da guerra: as missões suicidas e sem razão aparente, a extrema crueldade dos americanos contra os vietnamitas, e, em especial, a sensação de que ninguém sabe direito o que está fazendo ali.


Ao mesmo tempo acompanhamos também a lenta "queda na real" de Willard. Já no início do filme ele está perdido, sem perspectivas, sem ver sentido na vida nem no Vietnã nem em suas voltas para casa: "Quando eu estava aqui, queria estar lá; quando voltei para lá, tudo que eu podia pensar era em voltar para a selva". Durante sua missão, várias das facetas da guerra vão se mostrando, e sua opinião sobre toda a insanidade que vai presenciando também evolui ao longo do filme.

Tecnicamente, o filme é quase perfeito: a filmagem nas Filipinas empresta um ar de autenticidade às locações, a trilha sonora é impressionante (misturando The Doors, Beach Boys e Rolling Stones com a Cavalgada das Valquírias, de Wagner, em uma épica cena de bombardeio), e o roteiro tem o exato grau de confusão suficiente para envolver o espectador na história sem entregar o que vai acontecer em seguida. Minha única ressalva nesse ponto é a versão do diretor ("Redux"), com 49 minutos a mais, que foi a que assisti, e em vários momentos "quebra" o ritmo da história com "sub-plots" inteiros meio desnecessários, o que mostra que a edição original tinha o ponto exato de roteiro ideal.

O interessante é que tão famoso quanto o filme acabou sendo o período de filmagens, tão atribulado que o filme quase não saiu: Martin Sheen estava bêbado e se feriu durante a filmagens das cenas iniciais no hotel, e depois teve um ataque cardíaco, que foi encoberto por Coppola como se fosse estafa, para que o filme não fosse interrompido; Marlon Brando se apresentou 40kg mais gordo e sem ter lido nada do roteiro, querendo improvisar todas suas cenas; a filmagem, em vez de 5 meses, durou 16, e mais 2 anos foram necessários para editar o filme.


As atuações, claro, são um capítulo à parte. O elenco que Coppola teve à disposição para esse filme não apenas é estrelado como estava inspiradíssimo, apesar (ou por causa) das péssimas condições de filmagem. Lawrence Fishburne (o Morpheus de Matrix) mentiu a idade durante a audição e foi escalado para o filme com 14 anos; Harrison Ford faz uma pequena, mas marcante aparição como o militar que passa a missão a Willard; Robert Duvall (talvez um dos atores mais subestimados de sua geração), também em uma participação pequena, onde diz a famosa frase "Eu amo o cheiro de napalm pela manhã" e bombardeia uma praia apenas para que os soldados possam surfar; Dennis Hopper e seu jeito "hippie", vivendo um repórter-investigativo que é cooptado pelo "culto" a Kurtz; e, claro, Sheen e Brando, antagonistas com opiniões parecidas, e adversários do mesmo lado da guerra, mais uma das insanidades de um conflito já visto na época como sem propósito.


Tudo isso monta um dos filmes mais importantes da história do cinema, e um dos cartões de visita de uma geração de diretores (Coppola, Spielberg, Lucas, Scorsese) que, a partir dos anos 70, transformou o cinema, para o bem ou para o mal, e que, no caso de Coppola, teve a coragem de meter o dedo na ferida de uma guerra que havia acabado de terminar, e que ainda tinha implicações na Guerra Fria por mais de 10 anos. Caso ainda não tenha visto, e se estiver lendo esse texto assim que eu o publiquei (ou seja, está na internet em um sábado de carnaval), aproveite o tempo livre e dê um jeito de ver. É uma experiência edificante.

E ainda querem me convencer que Guerra ao Terror (que ganhou o Oscar de Melhor Filme em 2011) é um excelente filme de guerra. Please....

Nota: 8,5 (30o. na minha lista de filmes favoritos)


sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Madagascar (2005)


Não sei porque, mas não costumo falar muito sobre animações e/ou filmes infantis aqui, então acho que está na hora de mais um, que por sinal, minha filha de 4 anos adorou (assistiu a trilogia inteira em uma sentada só, o que para uma criança dessa idade é um milagre): Madagascar. A história fala sobre 4 animais do Zoológico do Central Park que, em uma tentativa de voltarem a seu "habitat", acabam criando uma confusão na cidade e são enviados por engano para a ilha de Madagascar, juntamente com um grupo de pinguins que mais parecem um grupo de mafiosos. Chegando lá, têm seu primeiro contato com a "vida selvagem", sendo recepcionados por um grupo de lêmures e passando pelo choque da adaptação.

O filme segue a tendência das animações mais recentes, principalmente desde Toy Story em 1995, de "abrir" seu público-alvo, com uma história voltada para crianças, mas com detalhes ou algumas piadas que só os adultos entendem. Imagino que isso tenha a ver com a mudança no poder de criar trazido por Toy Story (que foi a primeira animação computadorizada de longa metragem lançada no grande cinema), já que possibilitou aos estúdios e produtores se livrar um pouco das amarras de até então, que resultavam em filmes basicamente limitados a histórias infantis clássicas ou transposição de super-heróis. Ajudou nesse processo também o sucesso da Pixar, cujos filmes de animação transformaram o segmento em algo muito diferente.



Aliado a isso, percebeu-se que o público adulto ajuda muito nas receitas de ingressos, merchandising e no próprio "recall" dos filmes. Acho que nunca vi uma criança elogiando Wall-E, mas sim vários adultos. Mesmo Shrek e Madagascar, que são da Dreamworks e não da Pixar, seguem o mesmo caminho.

Madagascar não é uma das obras-primas da animação recente, mas é bem divertido. Tanto para adultos quanto para crianças. Minha filha adorou os personagens, a história, o visual e as aventuras. Veio me pedir pra mostrar no mapa onde ficam Nova York e Madagascar. Eu gostei de algumas piadas, referências de outros filmes e também da história como um todo.

Outra coisa que eu gostei, e gostaria de destacar aqui foi a dublagem. Em geral, não gosto de filmes dublados, acho que perde muito da qualidade e da expressão original dos atores. Não questiono, em geral, a qualidade da dublagem brasileira, mas sim o "clamor" popular pela dublagem que vem acontecendo recentemente (outro dia fui ao cinema e a garota do caixa avisou "olha, é legendado, viu?", como se pedisse desculpas). Agora, em filmes para crianças, por motivos óbvios, é necessário. E, nesse caso, essa necessidade se transformou em algo bastante divertido, especialmente pela "atuação" de Guilherme Briggs (que fazia a voz do Freakazoid, por exemplo) como o Rei Julien, personagem muito engraçado que os animais do filme encontram em Madagascar.



A personalidade do personagem é passada de maneira brilhante por essa atuação (que supera muito a dublagem original, de Sasha Baron Cohen, o Borat). Inclusive é dele o principal momento do filme: o clip musical "Eu me Remexo Muito", parte importante do "Hit Parade" de músicas aqui de casa. Ou seja, a Manu adora. E eu também:


Em resumo, um filme muito legal, daqueles que não me importo de ver mais vezes (e quem tem filho pequeno sabe da taxa de repetição do que os pequenos mais gostam), e, principalmente, bem feito e sem a síndrome recente de tratar as crianças como burros ou de ter a necessidade de passar mensagens educativas a cada frame (uma criança de 4 anos não precisa ter palestra sobre trabalho em equipe no desenho que assiste em casa, né?). Ou seja, uma ótima animação, para adultos e crianças.

Nota: 7,5

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

O Hobbit: Uma Jornada Inesperada (The Hobbit: An Unexpected Journey, 2012)


Após um sucesso estrondoso (e merecido) da trilogia O Senhor dos Anéis no cinema, foi apenas uma questão de tempo até que se acertasse a filmagem de O Hobbit, que na série de livros se passa bem antes dos eventos de O Senhor dos Anéis. Na verdade, foi o livro que deu origem a tudo, uma história infantil de J.R.R.Tolkien, da qual puxou o momento em que Bilbo "ganha" o anel de Gollum para ser o ponto de partida para sua trilogia mais famosa (e que demorou 17 anos para ser escrita).

Já no cinema, como sabemos, o caminho foi o inverso. O livro que precede a trilogia começou a chegar aos cinemas apenas em 2012, quase dez anos depois de O Retorno do Rei. E esse, para mim, é um dos seus problemas. Enquanto o livro tem uma inocência quase infantil (embora o conceito de livro infantil tenha mudado bastante nessas décadas), o fato do filme vir depois de uma trilogia de tanto sucesso o carrega de uma responsabilidade que antes não tinha. Não basta uma história leve de alguns anões e um hobbit em busca de um tesouro. Tudo tem que ser maior, mais longo, mais grandioso... e talvez tenha havido um exagero aí.


Me refiro, inicialmente, à decisão de filmar O Hobbit também como uma trilogia de filmes. Veja bem, a minha edição de O Hobbit tem menos de 300 páginas, enquanto O Senhor dos Anéis (livro único) chega a 1100. O resultado é que esse primeiro filme (inicialmente seriam 2, agora 3) é muito arrastado. As cenas claramente duram demais, parece que eles ficam 70% do tempo andando... e até o vilão é "adaptado", uma vez que o personagem Azog não participa do livro, tendo sido retirado dos apêndices escritos por Tolkien, onde é descrito como um grande matador de anões.



Claro que visualmente o filme é maravilhoso, as cenas de batalha e os cenários são muito bem criados, e que o material original de Tolkien dá um toque de roteiro excelente à história. Outro detalhe positivo é a famosa cena "Adivinhas no Escuro" ("Riddles in the Dark"), que acontece neste filme, e mostra como foi afinal que Bilbo colocou as mãos no famoso anel que, tempos depois, geraria uma "guerra mundial". A cena é bem feita, o Gollum parece cada vez mais realista e Martin Freeman é um bom ator, que capta muito bem o personagem, suas hesitações e sua evolução ao longo do filme.

Falando nisso, as atuações são boas, embora não cheguem ao nível da trilogia original. Além de Freeman e Andy Serkis como Gollum, os principais personagens não comprometem, embora em vários momentos seja difícil distinguir os anões entre si. Ian McKellen (que acho um ótimo ator) aparentemente entrou em um piloto automático com Gandalf, o que não é ruim, mas não necessariamente bom.

O que me preocupa mesmo é a divisão em 3 filmes, e a famosa "síndrome do filme do meio" principalmente. O primeiro filme apresenta os personagens e estabelece seus objetivos, enquanto o último tem a (geralmente grandiosa) batalha final e a vitória redentora. Mas o que teremos no segundo filme? Mais anões andando e sendo atacados por "bandidos aleatórios"? Ou, como eu disse quando vi o filme, se as águias deixassem os anões um pouco mais pra frente, economizava um filme inteiro....


Mas aparentemente, eu fui um dos poucos que não gostou tanto assim do filme, já que ele bateu vários recordes de arrecadação em apenas 3 semanas de exibição. E, pensando bem, mesmo com tudo que falei, o filme é bom, nos leva de volta a um universo fantástico, e claro que estarei na fila na estréia do próximo...

Nota: 7,0

PS: Enquanto escrevia esse texto, descobri na internet que hoje (3 de janeiro) é aniversário do nascimento de Tolkien (que nasceu em 1892). Fiquei duplamente honrado: primeiro por ter feito essa "homenagem" involuntária com o post, e segundo por também ter nascido em 3 de janeiro, dividindo pelo menos esse detalhe biográfico com o mestre.