domingo, 23 de fevereiro de 2014

Ela (Her, 2013)



O que é a consciência? Ter consciência nos faz ser humanos? Ser mais evoluídos? O que acontece se outro ser passa a ter consciência? E se esse ser for construído por nós?

Essas não são questões novas, do ponto de vista filosófico. E obviamente já foram abordadas no cinema, e inclusive neste blog, quando falei sobre Blade Runner. E esses são algumas das questões que vêm a mente ao assistir Her, o filme dirigido por Spike Jonze que concorre ao Oscar 2014.



Em um futuro próximo, em Los Angeles, Theodore (Joaquin Phoenix) é um homem recém-separado que vive sozinho e trabalha escrevendo cartas de amor para outras pessoas. Depois de adquirir um novo sistema operacional para seu celular, construído com inteligência artificial, passa a se relacionar com ele (voz de Scarlett Johansson), até que acaba se apaixonando.

Não é novidade que Jonze goste de abordar em seus filmes universos ligeiramente distorcidos, já tendo feito isso, por exemplo, em Quero Ser John Malkovich e Adaptação. No entanto, a primeira diferença desse filme é a "intensidade" dessa distorção. Não apenas a existência de tal sistema soa natural, como as reações de todos a esse fato são perfeitamente compreensíveis. Esse é o primeiro mérito do filme: rapidamente estabelece as condições da história e passa a falar sobre suas conseqüências.

E é de fato muito fácil acreditar no relacionamento entre Theodore e Samantha (o nome do sistema, que se auto-batiza quando Theodore pergunta como se chama). Inicialmente realizando de maneira eficiente atividades como gerenciamento de contatos, agenda e emails, Samantha aos poucos vai ganhando a simpatia de Theodore, tornando-se amiga, confidente, e por fim, namorada.



A partir daí, temos um filme sobre um relacionamento. Mas focado especialmente nas assimetrias: em uma posição relativamente cômoda como "líder" do casal, já que Samantha segue suas ordens, pode ser ligada e desligada a vontade, e não é uma pessoa que possa ser magoada, Theodore pensa ter encontrado a companhia ideal após a mágoa do fim de seu casamento. O que vem depois é, por incrível que pareça, um dos mais "reais" retratos sobre o amor do cinema recente.

Joaquin Phoenix está muito bem no papel, compondo um Theodore sempre meio soturno, mas fugindo da tentação do "pobre coitado abandonado". Ao mesmo tempo busca um relacionamento, encontra a oportunidade de algo bom, mas luta com suas próprias inseguranças e o medo da opinião dos outros. Tem seus momentos de solidão, os quais busca aplacar com sexo via internet ou videogame, triste mas não depressivo. Já Scarlett Johansson está impressionante como a voz de Samantha, ainda mais quando se descobre que o filme foi feito com Samantha Morton nesse papel, e Jonze decidiu trocá-la por Scarlett já durante a edição. Destaque também para a trilha sonora e fotografia, que compõem muito bem o "ambiente" do filme, dando um toque retrô apesar do tema futurista. Por sinal, a fotografia "vintage" dá bem esse tom de uma história que se passa no futuro, porém com um assunto praticamente tão antigo quanto o cinema.




Mas, claro, o maior mérito do filme é o roteiro, que aborda de maneira orgânica e natural assuntos dos mais diversos: amor, mágoa, amizade, expectativas, diferenças. E tudo de uma maneira extremamente sensível, simples mas sem ofender a inteligência do espectador, e preparando uma evolução da história que, se não é surpreendente no nível O Sexto Sentido, deixa ainda mais perguntas em aberto e assuntos para refletir. Não me emocionei a ponto de chorar como algumas pessoas me disseram, mas de fato não é um filme que sai da cabeça tão cedo. Se não é "material de Oscar" e provavelmente não vai ganhar estatuetas a rodo, como diria o outro, azar do Oscar.

Nota: 9,1 (14o. colocado na minha lista de filmes favoritos)